Acabei de verificar no meu facebook que fui convidada para um evento que se intitula «Eu conheço um país...», a intenção é falarmos sobre o nosso país. Até ai tudo bem. O problema está quando nos dizem que só podemos dar uma opinião positiva sobre o nosso país. Aí eu penso, será que voltamos aos tempos de ditadura e da inexistência de um bem essencial chamado liberdade de expressão? Não pensem que não tenho nada positivo para falar sobre Portugal, porque tenho, muitas coisas até. Contudo, deitei a hipócrisia fora logo que me começei a assumir como gente, logo que percebi que havia uma consciência e que todos possuimos além de importantes direitos, os, não menos importantes, deveres cívicos.
Como tal, eu conheço um país, sem qualquer dúvida, lindo, recheado de belas paisagens, com uma óptima gastronomia, com pessoas no seu geral extremamente acolhedoras e sociáveis e, bem menos arrogantes e frias que a restante Europa, eu conheço um país que tem história, que tem um fado, que tem o fado. Eu conheço um país recheado de coisas boas, de qualidades, de mistérios por descobrir. Eu conheço um país que é meu, que posso chamar de meu e que será sempre meu.
Por outro lado, este meu Portugal não tem futuro para mim, não tem emprego para mim, não tem desenvolvimento económico que vá suportar todo o esforço, empenho e trabalho que tive ao longo da minha vida escolar e que tenho e continuarei a ter ao longo da minha vida académica.
Conheço um país que está na banca rota, onde se fazem crises políticas por ambição, por sede de poder, por falta de competência, de profissionalismo, por excesso de corrupção, por divergências políticas que se tornaram, não sei quando, muito mais importantes do que a boa governação por parte do Estado e dos seus políticos.
Conheço um país em que as taxas de desemprego aumentam a cada dia, em que milhares de licenciados com inúmeras qualificações estão a trabalhar num balcão de supermercado (não me entendam mal, considero um trabalho digno como todos os outros), estão no desemprego, ou então estão simplesmente a viver às custas dos pais, que trabalharam toda uma vida no sonho de lhes proporcionar um futuro promissor, um futuro melhor e que agora além de verem todo esse esforço não ser recompensado, continuam com encargos para suportar as despesas e as frustrações dos filhos que nem um primeiro emprego conseguiram que lhes garantisse o fundo de desemprego.
Eu, sim, eu, apesar da minha tenra idade perante muitos, conheço um país no qual tenho que viver no sonho que irei conseguir vingar na minha àrea mas mantendo os pés assentes na terra e percebendo que, provavelmente, daqui a uns anos terei que abandonar este país que me viu nascer, que me viu tornar-me mulher, em busca de um futuro melhor, de um emprego devidamente remunerado.
Conheço um país em que a quantidade de jovens com problemas emocionais e psiquiátricos aumenta por falta de saídas profissionais, por falta de futuro nas àreas que desejam. Conheço um país com uma exigência extrema na formação escolar e académica dos seus jovens mas que não tem futuro para os mesmos.
Eu conheço um país em que, infelizmente, já existem pessoas a passar fome, já existem pessoas a perder carro, casa, emprego, familia por falta de condições monetárias. Conheço um país em que os ricos são cada vez mais ricos e em que os pobres, são cada vez mais pobres.
Neste meu país, a justiça tarda e falha. Neste meu país, o jornalismo é fraco, vendido, hipócrita e desinteressante. Neste meu país, os criminosos são poupados dos seus crimes e nada é feito contra isso. Neste meu país, mesmo após todas as revoluções feitas, continuam a existir priveligiados e oprimidos. Neste meu país, as pessoas são reconhecidas e fazem dinheiro não pela sua qualidade, competência, bom gosto, decência e inteligência mas pela falta dela. Neste meu país, as taxas de IVA são maiores no leite do que nos bilhetes para jogos de futebol. Neste meu país, pagamos mais pela gasolina, pelo gás, pela luz do que nos Estados Unidos da América. Contudo, neste meu país, tudo funciona como nos restantes países do Mundo. Por isso digam-me, é só de mim ou o Mundo está mesmo perdido?
Vivemos numa sociedade corrompida, materialista, dura, fria, cruel. Vivemos numa sociedade que permite e compactua com violentas agressões, com guerras, mortes e massacres provocados pela sede do poder, vivemos numa sociedade em que ditaduras são apoiadas, que abre e cessa fogo constantemente a seu bel-prazer, que destrói o planeta e o ambiente, em troca de bens, supostamente, maiores: petróleo, dinheiro, poder. Vivemos numa sociedade que perdeu a noção da importância que cada pessoa tem nela. Vivemos numa sociedade que não consegue ver para além do seu próprio umbigo.Vivemos numa sociedade que, em algum momento que não fui capaz de presenciar, passou a exigir todos os direitos cívicos que possui e tornou-se alheia a todos os deveres. Vivemos numa sociedade que só consegue reclamar, queixar-se, pedinchar mas que, na hora de agir, de provocar a mudança, se acobarda ou preenche o seu tempo com coisas mais productivas e importantes que tornar o país, o mundo e a sociedade em que vivemos melhor. Vivemos numa sociedade em que o racismo continua a existir em enorme quantidade, o preconceito é, além de tolerado, amado, a xenofobia é aclamada e as diferenças entre sexos continuam a notar-se brutalmente. Vivemos numa sociedade que compactua com culturas ignorantes e intolerantes em que homens e crianças espancam, queimam, torturam, mutilam e enclausuram mulheres, sem sequer terem consciência que sem a sua existência não saberiam o significado da palavra vida. Vivemos numa sociedade cega, surda e muda. Vivemos numa sociedade que perdeu os seus valores.
E o que fazemos para mudar? Nada.
Eu quero fazer, ou melhor, eu tenho esse sonho e vou lutar por ele. Eu quero tornar o Mundo melhor, ajudar quem precisa, não descartar os meus deveres cívicos. Eu, apesar de ser só uma pessoa, que no meio de aproximadamente 11 milhões de portugueses e de 6 mil milhões de pessoas que habituam o mundo, nada valho e o que faço pode parecer para muitos insignificante, estou a contribuir para mudar o Mundo. E a minha contribuição não irá revolucionar toda a sociedade mas irá mudar um alguém, irá ajudar outro alguém sem nome, sem rosto, e esse alguém mudará ou ajudará outro alguém e assim sucessivamente, porque é assim que se vive em sociedade e foi disso que nos esquecemos há muito, muito tempo. Não vou tornar as pessoas más em pessoas boas. Mas vou fazer as pessoas boas tomarem consciência de que podem fazer melhor, de que também importam nesta sociedade, neste mundo, neste país. E a minha contribuição passa por gestos simples, como escrever este texto dando a minha opinião sincera, directa, sem hipócrisias, como votar, de consciência limpa, sem se deixar manipular por falsas promessas ou por ideais ridículos, como fazer o melhor que posso para viver em sociedade, como cuidar o melhor que posso do planeta. E por gestos maiores, como o sonho que tenho de, um dia, poder melhorar de alguma forma os cuidados de saúde deste país e de outros que precisem.
Por isso, de que é que o resto da sociedade está à espera? Todos importa, todos valem algo nesta enorme equação! Eu não quero ser cega, não quero ser surda, não quero ser muda. Adorava que, pelo menos mais uns alguéns, também não quisessem.